Parece que todas as dúvidas relacionadas com uma presença divina no mundo cessam quando se constata a pertubadora mas indubitável presença de Satanás nele, como se esta última presença fosse lamentavelmente muito mais certa do que a divina, tão esperada e tão esquiva. Teriam as pessoas, apesar de tudo, mais fé nas obras do demônio do que nas de D´us? Estariam os homens impacientes com o persistente silêncio de D´us, e o cinema refletiria fielmente essa impaciência? Ou será, segundo uma interpretação mais prosaica, que o cinema se deixou vencer aqui pela exigência comercial de constituir-se em um "espetáculo" e, como tal, o Diabo é mais atraente e pitoresco do que D´us, pois cria mais suspense, mais situações inesperadas e interessantes? O mal nos seduz de maneira mais avassaladora? Ou será que o chamado "mal" revela mais profundamente a estrutura do mundo (segundo a intuição do filósofo Emmanuel Lévinas)? Ou será que nossa forma de pensar o bem e a providência divina, a graça e a salvação é precisamente esta, através da terrível presença do Mal, como através de um exorcismo (como se nos lembrássemos de D´us somente quando já estamos possúidos por seu maior inimigo e necessitamos urgentemente de Sua ajuda)? Será que D´us se manifesta mais claramente em sua luta contra as sombras, como se o mal pudesse ser descrito com clareza e o bem só fosse visualizável quando estamos nos afastando dele?
Alucarda (1978) é a somatória do primitivismo camp tão caro às produções sulamericanas do período, o 'kitsch' cenográfico de Mario Bava e a fragmentação narrativa de cunho surrealista. O final é dispensável, mas há grandes soluções visuais perpetradas por Monteczuma, tais como os andrajos das religiosas, ao mesmo tempo a representação dos limites da libido e do desejo e a marca da fragilidade corpórea (por diversas vezes os mantos são coloridos por sangue). Alucarda é uma película obscura, recentemente encontrada após declarada perdida por historiadores; séria candidata à cult em sua carreira brevíssima nas meia-noites da vida.