Sunday, March 18, 2007

SEIJUN SUZUKI




A crítica francesa está entusiasmada com a sua (re) descoberta de Seijun Suzuki, diretor de filmes B japonês, nascido em 1923 e que caiu no ostracismo nas últimas décadas. Em Paris, está sendo exibida uma retrospectiva de nove dos principais filmes de Suzuki, todos eles rodados entre 1961 e 1967 para os estúdios Nikkatsu, época áurea de sua carreira. Para o espectador atento, não há dúvidas: trata-se de um gênio do cinema moderno. Os estúdios Nikkatsu dedicavam-se a filmes B, ou seja, feitos com pequeno orçamento e de grande popularidade, com histórias eróticas e aventuras da yakusa, a famosa máfia japonesa. Suzuki, como bom empregado dos estúdios, não abandonou integralmente o modelo proposto, mas desenvolveu dentro dele mesmo uma estética exuberante e barroquista, de imensa inventividade cinematográfica, enquanto ia transfigurando os temas com sua inquietação crítica e muita ironia.O filme mais antigo de Suzuki na retrospectiva é "Tanti Jimusho 2-3" ("Detetive Escritório 2-3", a partir da tradução francesa do título). Foi feito em 1963, em preto-e-branco, e é também uma de suas primeiras produções nos estúdios Nikkatsu. Contrastado aos demais filmes da mostra, é o mais convencional de todos eles, tanto no plano formal quanto narrativo. É, porém, um filme que avança bastante na exploração de um modo moderno do gênero policial, renovando o tratamento cinematográfico dado ao décor, à iluminação, ao ritmo e às interpretações.O detetive é interpretado por Joe Shishido, um ator interessantíssimo, capaz de encarnar dualidades complicadas que interessam a Suzuki. Suas inflexões na tela se manifestam numa área indeterminada entre o infantil e o brutal, o cínico e o idealista, a frieza e a paixão. Com seu corpo de aparência pesada, Shishido é capaz contudo de muita rapidez e leveza no gesto, certamente relendo o kabuki numa forma contemporânea.Shishido se transformará, a partir de então, no ator-fetiche de Suzuki e irá estrelar vários filmes do diretor até a obra-prima "Koroshi No Rakuin" ("A Marca do Matador"), a última produção para os estúdios Nikkatsu. "A Marca do Matador", realizado em preto-e-branco, é um filme surpreendente e arrebatador. A história é a de um matador profissional que vira ele próprio alvo daqueles que o contrataram. Mas a trama não interessa tanto a Suzuki neste filme. Talvez sob a influência da Nouvelle Vague francesa, o diretor libera o estilo policial de suas amarras para criar situações e imagens que importam não pela continuidade e verossimilhança que dão à narrativa, mas por sua potência plástica e expressiva particular. Em certos momentos o filme lembra fortemente "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), de Rogério Sganzerla. Também tem semelhanças com realizações do chamado cinema marginal paulista, como as de Carlos Reichenbach, embora Suzuki disponha de recursos técnicos e materiais superiores. Resta saber se os filmes do japonês foram vistos pelos jovens diretores brasileiros em São Paulo nos anos 60, quando o cinema nipônico era exibido com regularidade na cidade.Mas com certeza o cinema de Suzuki atingiu bastante Jim Jarmush, Quentin Tarrantino e Takeshi Kitano, como lembra a revista "Cahiers du Cinéma". Em "Ghost Dog", história de um matador negro, Jarmush homenageia Suzuki explicitamente, citando cenas de seus filmes _e recriando-as inclusive, como aquela famosa sequência de "A Marca do Matador", em que o assassino profissional alveja um gângster atirando pelo cano da pia. As inserções gráficas e os desenhos que Kitano tem inserido em seus filmes ultimamente já aparecem também em "A Marca do Matador"."A Marca do Matador", por causa de sua radicalidade, assustou os estúdios Nikkatsu, que romperam o contrato com Suzuki. Durante dez anos, o diretor ficou sem filmar, esperando que chegasse ao fim um processo que movia contra a Nikkatsu exigindo a deposição de cópia de todos os seus filmes na Cinemateca Japonesa, uma indenização de 1 milhão de yens e um pedido público de desculpas pelo rompimento do contrato. Ele venceu o processo e voltou ao cinema, já aclamado como mestre pela nova geração, mas jamais alcançou o brilho anterior.Entre "Detetive Escritório 2-3" e "A Marca do Matador", Suzuki realizou para os estúdios Nikkatsu outros policiais e também melodramas, como o excelente "Nikutai No Mon" ("A Barreira de Carne"), de 1964.Filmado em deslumbrante technicolor, "A Barreira da Carne" é o auge do barroquismo de Suzuki, tanto do ponto de vista plástico quanto da encenação. As cores estalam na tela em contrastes violentos e as ações estão carregadas de teatralidade neste filme que narra a vida de quatro prostitutas no Japão do imediato pós-Segunda Guerra, quando forças militares americanas ocuparam e passaram a governar o país.A misoginia dos thrillers policiais, e que poderia ser vista como uma característica de Suzuki, é transfigurada neste drama, que está sob a égide do feminino perverso. Em meio à fome, à destruição, enquanto uma yakusa incipiente nasce no fundo de miséria do país, as prostitutas inventam códigos de honra e formam uma associação parecida à de uma máfia. É um modo de elas se defenderem da violência da situação histórica, do predomínio masculino e da arrogância do ocupante. O erotismo, uma demanda imposta pelos estúdios, surge de maneira cruel e sadomasoquista. O realismo é contrariado o tempo todo, em prol de uma mise-en-scène de forte carga simbólica.O filme é praticamente uma parábola histérica sobre o estado de subserviência e inferioridade a que os japoneses foram relegados no fim da guerra. É também sobre o fim de um Japão e o surgimento de outro. O último plano de "A Barreira da Carne" mostra uma bandeira dos Estados Unidos reinando sobre as ruínas de uma cidade. Paradoxalmente ou não, Suzuki viria a ser, entre os grandes diretores japoneses do pós-1945, o mais americanizado e o mais pop.

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